Por Carolina Villela
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ouviu na tarde desta terça-feira (27) mais seis testemunhas do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres. As oitivas ocorreram no âmbito da Ação Penal (AP)2628 que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado.
Durante a audiência, que começou com meia hora de atraso, ex-diretores da Polícia Federal e ex- autoridades do governo federal negaram qualquer participação em planos para ruptura do Estado Democrático de Direito. As testemunhas detalharam o planejamento de segurança das eleições de 2022 e as ações coordenadas entre diferentes órgãos federais nos dias que antecederam os atos de oito de janeiro de 2023.
Estratégia eleitoral da PF e negativa de plano golpista
Fabricio Rocha, chefe de Repressão a Crimes Eleitorais da Polícia Federal, explicou que o plano estratégico das eleições municipais de 2024 estabeleceu a atuação ostensiva no maior número possível de municípios. Segundo o policial federal, uma das principais diretrizes repassadas às unidades descentralizadas foi garantir a presença da PF na maior quantidade de cidades durante o período eleitoral.
Marcio Nunes, que assumiu a direção-geral da PF em julho de 2022 e foi exonerado em 1º de janeiro de 2023, informou que trabalhou com o ex-ministro da Justiça em duas ocasiões: de 2007 a 2010 e posteriormente como secretário executivo do ministério da Justiça entre abril de 2021 e dezembro de 2022.
A testemunha também esclareceu que a colaboração entre a Polícia Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para testes no sistema eleitoral é uma prática comum. Essa parceria, segundo Nunes, acontece de forma institucional e faz parte dos procedimentos padrão de segurança eleitoral.
Durante seu depoimento, Nunes foi categórico ao negar qualquer plano insidioso relacionado aos atos de 8 de janeiro. O ex-diretor da PF afirmou que participou de várias reuniões onde Anderson Torres repassou orientações gerais para que as equipes continuassem “com o mesmo ímpeto” no trabalho de combate aos crimes eleitorais.
Detalhes sobre reuniões e orientações ministeriais
Paulo Gonet alertou que Alessandro Moretti, ex- diretor de Inteligência da PF, é investigado no caso da chamada “Abin paralela”. Moraes permitiu que a testemunha falasse na condição de dizer a verdade sobre fatos não relacionados ao inquérito em que é investigado.
Moretti relatou ter participado de uma reunião no ministério da Justiça, embora não se recordasse da data exata nem de todas as autoridades presentes. O delegado, com 26 anos de experiência, enfatizou nunca ter ouvido expressões como “policiamento direcionado” ou recebido orientações que não fossem institucionais.
Marcos Paulo Cardoso, que trabalhou com Torres entre abril de 2021 e dezembro de 2022, detalhou o escopo das reuniões realizadas antes do segundo turno das eleições. Segundo sua versão, o objetivo era viabilizar meios e recursos para que a PF e a Polícia Rodoviária Federal pudessem desempenhar suas funções, além de apoiar o TSE na segurança do sistema eleitoral.
A testemunha destacou uma frase específica atribuída a Torres durante uma dessas reuniões: “não quero que aqui se persiga lado A ou B”, indicando uma postura de imparcialidade do então ministro da Justiça. Cardoso também negou que Torres tenha tratado da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou qualquer plano golpista.
Victor Veiga Godoy, ex-ministro da Educação, confirmou ter sido convocado por Bolsonaro para uma reunião onde foram discutidas preocupações do então presidente com temas eleitorais.
Detalhes sobre o planejamento
Já a coronel Cintia Queiroz de Castro, da Polícia Militar do Distrito Federal, forneceu detalhes sobre as ações que antecederam os atos de 8 de janeiro. Segundo ela, na quinta-feira, dia 5, quando tomaram conhecimento das caravanas que se dirigiam a Brasília, foi marcada uma reunião no sábado para discutir as estratégias. No entanto, em 6 de janeiro, os integrantes da secretaria de subsecretaria de Segurança Pública do DF tinham apenas informações sobre as caravanas que se dirigiam a Brasília, sem confirmações precisas sobre as intenções dos manifestantes.
A coronel foi enfática ao afirmar que, se o plano que proibia o acesso à Praça dos Três Poderes tivesse sido cumprido adequadamente, os atos de 8 de janeiro não teriam acontecido. Cintia explicou que “as informações não chegaram a tempo de fazer um planejamento antecipado”.
Ela mencionou ter tido acesso a folders na internet sobre as caravanas, mas nenhum indicava manifestamente intenções de “tomada do poder”.
Veja como foram os depoimentos durante a manhã
Pela manhã, outras cinco testemunhas de Anderson Torres foram ouvidas. Todas negaram conhecimento sobre qualquer plano golpista qualquer direcionamento político.
O ex-diretor de operações da Polícia Rodoviária Federal, Djairlon Henrique Moura, confirmou que Torres solicitou uma operação para fiscalizar ônibus que saíam de São Paulo e do Centro Oeste com destino ao Nordeste. Segundo ele, a operação tinha o objetivo de apurar a suspeita de transporte irregular de eleitores e de valores.
“Foi solicitada a realização de uma operação antes da eleição dos ônibus que saíssem de SP e da região Centro-Oeste com destino ao Nordeste com votantes e recursos financeiros que já estavam em investigação pela PF”, afirmou.
No entanto, Djairlon classificou as fiscalizações como “prática muito comum” e informou que em mais de 60% dos veículos fiscalizados a abordagem não demorou mais que 15 minutos.
Segundo Saulo Moura da Cunha, que era diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em janeiro de 2023, foram emitidos diversos alertas de inteligência a partir do dia 2 de janeiro para um grupo com o GSI, ministério da Defesa, ministério da Justiça e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ele afirmou que “os primeiros alertas indicavam a convocação para a manifestação do dia 8”, mas até 7 de janeiro não foram enviados alertas para a Secretaria de Segurança Pública do DF.
Braulio do Carmo Vieira, que trabalhou com Anderson Torres na Secretaria de Ações Integradas, confirmou a participação do ex-ministro em uma transmissão ao vivo em 29 de junho de 2021, convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Segundo Vieira, Torres demonstrou “certo desconforto” por desconhecer o tema da live. Durante a transmissão, Bolsonaro questionou as urnas eletrônicas.
Caio Rodrigo Pelim, então diretor de combate ao crime organizado da Polícia Federal, afirmou que a orientação do ministro Anderson Torres era “manter policiamento ostensivo nas eleições e usar o máximo efetivo possível”.