Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) continua nesta quinta-feira (26) o julgamento sobre a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet que estabelece a exigência de ordem judicial para a remoção de material ofensivo de terceiros nas redes socais. Já há maioria formada para flexibilizar as regras de retirada das publicações e responsabilizar as big techs. A discussão será retomada com o voto final do ministro Nunes Marques, último a se manifestar.
Durante a sessão desta quarta-feira (25), votaram o ministro Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia, que apresentaram posições distintas. Até o momento, oito ministros consideram que a norma, editada há mais de uma década, não oferece proteção suficiente aos usuários na atual realidade digital.
Marco Civil da Internet em questão
O debate gira em torno dos Recursos Extraordinários 1037396 e 1057258, que questionam a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Os ministros reconhecem que houve uma revolução no modelo de utilização da internet desde a criação da lei, com a massificação das redes sociais e aplicativos de mensagens. Essa transformação tecnológica e social teria tornado insuficiente a proteção prevista na legislação original, exigindo uma reinterpretação ou atualização das regras.
Divisão entre os Ministros
Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos recursos, defendem que a exigência de notificação judicial para retirada de conteúdo ofensivo é inconstitucional. Para eles, essa obrigatoriedade torna o processo excessivamente moroso e prejudica a proteção dos direitos fundamentais dos usuários.
Por outro lado, seis ministros – Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia – consideram que a norma é apenas parcialmente inconstitucional. Essa corrente majoritária defende que a exigência de ordem judicial deve ser mantida em situações específicas, como crimes contra a honra.
O ministro André Mendonça considera a regra atual constitucional. Para ele, as plataformas têm legitimidade para defender a liberdade de expressão e preservar suas próprias regras de moderação de conteúdo.
Posição de Edson Fachin
O ministro Edson Fachin, que acompanhou a divergência, defendeu que conteúdos de terceiros só devem ser removidos mediante ordem judicial. Ele reconhece que as plataformas não estão imunes à responsabilização, mas defende que esta só pode ocorrer após descumprimento de determinação judicial específica.
“Estou de acordo com o diagnóstico que se faz, mas desde logo adianto que não subscrevo o remédio que a maioria está a prescrever esses males”, afirmou.
Para Fachin, um regime adequado de responsabilização é a única forma de compatibilizar a liberdade de expressão. O ministro afirmou que “nossa Constituição proíbe expressamente toda e qualquer censura”.
Preocupação com Censura
A ministra Cármen Lúcia reiterou sua preocupação de evitar o restabelecimento de qualquer forma de censura no país, afirmando estar “aterrorizada” com a situação nos últimos tempos, especialmente no Brasil. “A censura no Brasil é uma questão que não acabou, como acabou a ditadura. Continua prevalecendo o tempo todo”, reforçou a magistrada.
Ela alertou para o risco de uma censura particular e perigosa, destacando que atualmente “censuram-se livros, publicações, espetáculos artísticos”. A ministra enfatizou que “todo mundo tem o direito de aplaudir, de vaiar, não tem o direito de matar as instituições e a democracia”.
A ministra reconheceu que o ambiente tecnológico de 2014, quando foi editado o Marco Civil da Internet, era diferente dos atuais mecanismos e dinâmicas das plataformas digitais. Diante dessa nova realidade, defendeu uma interpretação atualizada da norma que mantenha conteúdos relacionados a potenciais crimes contra a honra e contra o Estado Democrático de Direito sem necessidade de ordem judicial prévia.