Olá, meus amores! Hoje eu decidi falar sobre um assunto que tem causado muita polêmica no meio social e jurídico, diante do dinamismo e fluidez das relações pessoais intersubjetivas, além do grau considerável de abstração e subjetivismo do texto normativo, mais precisamente, do Código Civil vigente.
Primeiramente, é oportuno destacar que a união estável passa a ser reconhecida como entidade familiar a partir da Constituição Federal de 1988, momento em que surge o princípio da pluralidade das entidades familiares, ao lado da família tradicional, derivada do casamento, que até então, era a única família reconhecida juridicamente.
Devo te lembrar, meu leitor, que antes desta mudança de paradigmas, o que hoje se considera união estável já foi considerado um concubinato, espécie de sociedade de fato entre um homem e uma mulher, impedidos de se casar, ou que mantinham uma relação sem a formalização do casamento.
Como o divórcio só passa a ser permitido a partir de 1977, antes disso, as pessoas casadas no papel, que não viviam mais juntas (separadas de fato) e passavam a ter uma outra relação, não recebiam o amparo do Direito de Família, uma vez que tal relação era relegada à margem social, sendo classificada como concubinato puro e impuro (adulterino, incestuoso).
O cenário jurídico então se aperfeiçoa, adequando-se às mudanças sociais. Ocorre que a união estável foi reconhecida como entidade familiar em 1988, mas foram necessárias duas leis para sua definição e regulamentação de direitos, como alimentos, partilha de bens e direitos sucessórios (Lei 8971/94 e 9278/96).
Neste primeiro momento, a união estável só poderia se formar com um homem e uma mulher, desde que solteiros, ou separados judicialmente, ou divorciados ou viúvos, desde que comprovassem uma união de, no mínimo, cinco anos, ou prole (filhos) em comum.
Posteriormente, o requisito temporal foi retirado, bem como a necessidade de filhos comuns. Desta forma, a união estável passou a ser uma união entre homem e mulher, pública, contínua (sem intervalos) e com o objetivo de constituir família (affectio maritalis).
Nesse sentido, a união estável também não exige que o casal more junto (coabitação no mesmo lar). Assim, a ausência de requisitos objetivos e critérios temporais, levou os indivíduos a questionarem suas relações: afinal de contas, estou vivendo um namoro ou união estável.
Ressalte-se que, por ocasião do julgamento da ADPF 132 e ADI 4277, o STF reconheceu a união estável homoafetiva, razão pela qual a união estável é uma união entre duas pessoas, pública, contínua e com a intenção de constituir uma família.
Por conseguinte, para o reconhecimento de uma relação como união estável, os sujeitos envolvidos devem demonstrar um mínimo de estabilidade, uma relação sem rupturas (intervalos), com o propósito manifesto de constituírem um núcleo familiar, apresentando-se social e publicamente como se marido e mulher fossem, em eventos sociais, perfis de redes sociais, etc. Nesse sentido, recomenda-se a leitura de um precioso julgado do TJMG (Apelação Cível n. 1.0145.05.280647-1/001, de Juiz De Fora. Relator: Des. Maria Elza. Data da decisão: 18.12.2008.)
Desta forma, em virtude de tamanho subjetivismo, muitos casais, temendo a configuração de uma união estável, passaram a buscar os cartórios extrajudiciais para registrar contratos de namoro, ou para reconhecer a firma de assinaturas nestes documentos, em respeito à autonomia da vontade.
Mais tais contratos possuem validade e eficácia? Bem, isso é o tema para uma outra conversa, certo? Na minha singela opinião, se o contrato de namoro é celebrado por pessoas maiores e capazes, em posições simétricas, sem objetivo de simulação, sua validade e eficácia podem ser reconhecidos.
Por outro lado, imagine um casal que “namora” há muitos anos, de maneira que um pernoita na casa do outro alternadamente, com pertences pessoais espalhados nas duas casas, dividindo muitas vezes despesas com i-food, diarista, etc.
Pode acontecer desta relação acabar, por desconexão ou morte de um membro, levando o outro a buscar judicialmente o reconhecimento da união estável. E aí? Afinal de contas: o que vivemos ao longo destes anos? Era só um namoro ou união estável?
Para resolver alguns casos emblemáticos, o STJ acabou por criar a figura do namoro qualificado (REsp 1.454.643-RJ e REsp 1257819/SP). Tal instituto pode até parecer união estável, mas por faltar o animus maritalis, recebe esta designação, não sendo considerado entidade familiar.
Toda dificuldade surge diante da abstração do texto legal, somada ao dinamismo e fluidez das relações afetivo-sexuais intersubjetivas. Muitas vezes, por conveniência, aliada à evolução tecnológica, as pessoas se conhecem por aplicativos, se encontram, mantêm vínculos afetivos/sexuais, rapidamente já passam a dividir o mesmo espaço e até mesmo a dividir despesas.
Se este conto de fadas for parar no Judiciário, caso a conveniência do casal se sobreleve, restando não demonstrado o objetivo de constituir família, a união estável restará afastada, sobrando apenas o namoro qualificado.
Em suma, no namoro qualificado os sujeitos se curtem, buscam se conhecer melhor, suprem suas carências afetivas e sexuais, recebem muitas vezes o apoio necessário para seguir seus projetos pessoais e profissionais, podendo inclusive haver conveniência financeira, mas não há ainda um objetivo comum, aquela fusão do “nós”, o ideal de comunhão de vida.
Difícil né? Imagina para o juiz que tem que decidir o caso concreto? Na minha opinião, o melhor caminho ainda é o do diálogo, transparência e da boa-fé objetiva. Para evitar desgastes e confusão, se você vive em união estável, que tal fazer um contrato particular de convivência ou escritura pública declaratória de união estável? Uma outra proposta é dizer aquele SIM na celebração de casamento, que apesar de toda formalidade, ainda garante muita segurança jurídica.