A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou unanimidade hoje para derrubar a decisão da Câmara dos Deputados que suspendia a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) por tentativa de golpe de Estado. A ministra Cármen Lúcia completou a votação na manhã de hoje, acompanhando os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.
Interpretação unânime contra manobra parlamentar
Em seu voto, Cármen Lúcia afirmou que a interpretação da Câmara “esvaziaria uma das funções básicas do Estado de Direito”. A ministra ressaltou que a ação aprovada pelos deputados “[…] privilegiaria a pessoa [Ramagem] sem resguardo da integridade do cargo público e a honorabilidade republicana da instituição por ele integrada”.
O entendimento da Primeira Turma vai no sentido contrário à resolução aprovada pela Câmara, que tentava beneficiar o parlamentar com base no argumento de que a Constituição permitiria ao Congresso Nacional interromper inquérito contra um de seus integrantes.
Para o ministro Flávio Dino, a atuação da Câmara ultrapassa os limites constitucionais. “O artigo 53, parágrafo 3º, da Constituição Federal, não atribui às Casas Legislativas a competência para decidir, em caráter terminativo, pela sustação da ação penal”, escreveu em seu voto.
Restrição parcial da ação penal
Os ministros determinaram que a ação penal contra Ramagem pode prosseguir, com suspensão apenas para dois crimes: dano qualificado e deterioração do patrimônio da União. Esses seriam os únicos delitos que poderiam ser abrangidos pela prerrogativa parlamentar, por terem ocorrido após a diplomação do deputado.
Em seu voto como relator, Moraes destacou que a resolução da Câmara é “inaplicável” a Bolsonaro e outros réus, incluindo o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o ex-ministro Anderson Torres, o general Augusto Heleno, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o general Walter Braga Netto.
“O texto constitucional aprovado pelo Congresso Nacional somente admite a possibilidade de suspensão de ação penal contra parlamentar, quando o Supremo Tribunal Federal receber denúncia por crime que o próprio Tribunal reconhecer como praticado após a diplomação”, afirmou Moraes em seu voto.
Tentativa de blindagem parlamentar
Na Câmara, o tema foi aprovado com folga: 315 votos favoráveis à suspensão e 143 contrários. O pedido foi apresentado pelo PL, partido de Jair Bolsonaro, com o argumento de que a lei proíbe investigações contra parlamentares após a diplomação.
Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro, é réu no STF na mesma ação em que o ex-presidente se tornou réu por tentativa de golpe de Estado. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, o deputado teria usado a estrutura da Abin para desacreditar o sistema eleitoral.
O ministro Dino fez um alerta contundente sobre os limites dos poderes: “Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente – tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico.”