A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou nesta segunda-feira (26) no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de tutela de urgência para implementação imediata de medidas judiciais contra a desinformação, violência digital e omissão das plataformas digitais na remoção de conteúdo ilícito. O requerimento busca garantir efetividade aos recursos extraordinários que discutem atualmente a responsabilidade civil das redes sociais por conteúdos publicados por terceiros.
O pedido é baseado em dados alarmantes que evidenciam graves riscos à integridade das políticas públicas, à segurança digital da população – especialmente idosos, crianças e adolescentes – e ao Estado Democrático de Direito. A medida visa complementar o julgamento em curso no STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que atualmente exige notificação judicial específica para responsabilização das plataformas.
Proposta de mudança no Marco Civil da Internet
O julgamento no STF analisa a constitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014, que estabelece as regras atuais de responsabilização das plataformas digitais. Segundo a norma vigente, as empresas só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos após ordem judicial específica, mesmo mantendo postura omissa diante de violações evidentes.
A tese defendida pela AGU, refletida no voto do ministro Dias Toffoli, relator de um dos recursos, propõe alteração significativa neste modelo. A proposta estabelece que plataformas que impulsionam, moderam ou recomendam conteúdo ilícito devem ser responsabilizadas independentemente de notificação judicial prévia.
O voto do relator inclui ainda um decálogo contra a violência digital e desinformação, estabelecendo dez eixos de deveres para as plataformas. Entre as obrigações propostas estão a criação de mecanismos de autenticação de contas, regras claras de moderação de conteúdo, relatórios semestrais de transparência e canais eficazes de denúncia.
Responsabilidade civil objetiva para plataformas
Segundo o entendimento expresso no voto do ministro Toffoli, as plataformas devem responder civil e objetivamente quando envolvidas no impulsionamento, moderação ou recomendação de conteúdos ilegais. Esta mudança representa uma alteração substancial no atual modelo de responsabilização, que exige comprovação de dolo ou culpa.
As empresas também podem ser responsabilizadas por permitir a atuação de perfis falsos ou automatizados em suas plataformas. Adicionalmente, o voto propõe responsabilização solidária com anunciantes em casos específicos como fraudes, racismo, violência contra mulheres e crianças, incitação ao suicídio, uso indevido de inteligência artificial e desinformação eleitoral.
Esta abordagem busca criar um ambiente digital mais seguro, transferindo parte do ônus da fiscalização para as próprias plataformas, que possuem recursos tecnológicos e financeiros para implementar sistemas de moderação mais eficazes.
Dados alarmantes sobre fraudes e crimes digitais
A petição da AGU apresenta dados preocupantes sobre fraudes e crimes nas plataformas digitais. Entre os casos destacados, mais de 300 anúncios fraudulentos foram identificados na biblioteca de anúncios da Meta, prometendo falsas indenizações do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), utilizando imagens manipuladas de figuras públicas e logotipos oficiais do Governo Federal.
O documento também aponta o uso indevido do logotipo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na venda online de medicamentos sem autorização, além do uso inadequado de imagens e símbolos de órgãos públicos federais. Casos ainda mais graves envolvem a morte de crianças brasileiras após participarem de desafios perigosos propostos em redes como TikTok e Kwai.
Reportagem do The Wall Street Journal, anexada à petição e publicada em 15 de maio de 2025, revela que cerca de 70% dos anunciantes recém-ativos na Meta promovem golpes, produtos ilegais ou de baixa qualidade, evidenciando a magnitude do problema.
Inércia das plataformas e modelo de negócios questionável
Documentos internos da Meta, citados no processo, indicam que fraudadores podem acumular entre oito e 32 infrações antes de terem suas contas definitivamente banidas. Esta informação evidencia a inércia das plataformas diante de práticas claramente nocivas e sugere uma tolerância excessiva com comportamentos criminosos.
Há indícios de que as plataformas relutam em verificar rigorosamente anúncios fraudulentos, possivelmente devido ao impacto financeiro. O modelo de negócios da Meta, cuja receita publicitária ultrapassou US$ 160 bilhões em 2024, pode criar incentivos perversos para manutenção de anúncios mesmo quando questionáveis.
AGU nega censura e defende responsabilização
A Advocacia-Geral da União esclarece que o pedido de urgência não representa censura prévia, mas sim a imposição de deveres de diligência, cautela e responsabilidade compatíveis com o risco da atividade exercida pelas plataformas. A medida alinha-se aos princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.
“As recentes situações concretas acima relatadas expõem a continuada conduta omissiva dos provedores de aplicação de internet em remover e fiscalizar de forma efetiva os mencionados conteúdos, em desrespeito aos deveres de prevenção, precaução e segurança”, argumenta a AGU na petição.
O pedido cautelar foi apresentado no âmbito do Recurso Extraordinário (RE)1037396, que trata do Tema 987 da repercussão geral, interposto pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.