O Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 338), em que o Partido Progressista pede que seja declarada a inconstitucionalidade do inciso II do art. 141 do Código Penal Brasileiro. O dispositivo prevê o aumento de um terço da pena para crimes contra a honra cometidos contra funcionários públicos no exercício de suas funções. Com o placar de 4 votos a 2 para validar lei, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado nesta quinta-feira(08).
Votaram pelo parcial provimento da ação, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, que foi seguido pelo ministro André Mendonça. Divergiram e votaram pela improcedência da ação os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Centro da Controvérsia
O PP alega que o aumento da pena atenta contra o Estado Democrático de Direito e viola as garantias de liberdade de expressão e opinião. Segundo o partido, a legislação atual acaba conferindo proteção maior à honra dos funcionários públicos do que à dos demais cidadãos pelo simples fato de atuarem em nome do Estado, o que seria incompatível com os princípios estabelecidos na Constituição Federal.
Voto do relator
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela parcial inconstitucionalidade do art. 141, II, do Código Penal para que o agravamento da pena seja aplicado exclusivamente nos crimes de calúnia.
O ministro afastou a aplicação nos casos de difamação e injúria por considerar que ampliar a pena nesses casos pode representar uma ameaça à liberdade de expressão e ao debate democrático.
“O agravamento da pena de crimes contra a honra apenas se justifica quando houver risco efetivo e desde que esse aumento seja proporcional sem inibir a crítica política”, afirmou.
Barroso afirmou que os agentes públicos devem tolerar um maior nível de exposição e crítica, inclusive aquelas “ácidas” e eventualmente ofensivas. “Funcionários públicos devem tolerar um maior nível de exposição, escrutínio social e críticas, ainda que injustas”, disse.
O ministro propôs a seguinte tese de julgamento:
“A causa de aumento de pena do inciso II do art. 141 do Código Penal aplica-se exclusivamente ao crime de calúnia.”
Barroso foi seguido pelo ministro André Mendonça, que considerou que as penas em caso de pessoas privadas e públicas devem ter o mesmo peso.
“Não há aqui algo específico que justifique impor a possibilidade de pena superior só por ser servidor público, pelo contrário, o que se espera do servidor público é estar sujeito a cítricas”, argumentou Mendonça.
Divergência
O ministro Flávio Dino abriu divergência e votou pela improcedência da ação. No seu entendimento, a distinção de penas pode ser feita pelo legislador, já que os servidores públicos possuem regime diferenciado.
O ministro Cristiano Zanin seguiu Dino por entender que o objetivo do aumento da pena é proteger a dignidade do serviço público. Ele afirmou que não vê razão em diferenciar em relação apenas a um crime e não aos demais.
“Funcionário público está sujeito a críticas, mas desde que não seja ofensa criminosa”, afirmou.
Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes também acompanharam a divergência.
Moraes afirmou que as pessoas precisam saber o limite da crítica e da liberdade de expressão. Ressaltou que a impunidade nos crimes contra a honra gera a possibilidade das agressões e incentiva os criminosos.
“Eu acho extremamente grave alguém me chamar de ladrão”, ressaltou.
O ministro defendeu que, da mesma forma que a punição é maior quando o servidor público comete crime contra as instituições, a pena de crimes contra a honra no caso de servidores também deve ser ampliada.
Ao rebater a tese divergente levantada por Dino, Barroso afirmou que “a reputação de um servidor público não é mais valiosa do que a de uma cidadão comum”, se isso não afetar a confiabilidade do serviço público.
Sustentações orais
Durante as sustentações orais, o advogado do partido, José Rollemberg Leite, enfatizou que o aumento da pena fere os princípios republicano e isonômico, além de representar uma forma de intimidação ao direito de crítica. Ele defendeu que deveria haver redução, e não majoração das penas, alinhando-se ao entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que privilegia o debate democrático quando há críticas direcionadas a servidores públicos, jornalistas ou políticos.
Leonardo Cardozo Magalhães, defensor público da União, trouxe à discussão o impacto do tema na proteção dos direitos humanos, especialmente para pessoas em situação de vulnerabilidade. Ele destacou o contexto desigual em que ocorrem acusações de crimes contra a honra de servidores públicos e esclareceu que não se busca descriminalizar a conduta, mas sim definir limites adequados a parâmetros internacionais, que reconhecem que penalidades mais severas para ofensas contras agentes de Estado podem inibir o debate público e a fiscalização de entidades democráticas.