A autorização concedida pelo governo brasileiro, em 2011, a um grupo de pessoas com retinose pigmentar para que viajassem a Cuba com o objetivo de se tratar dessa doença por meio do Sistema Único de Saúde continua rendendo debates judiciais até hoje. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve sentença de primeira instância que considerou que um paciente, portador do problema,não tem obrigação de devolver ao Ministério da Saúde o valor liberado pela União para os gastos com os procedimentos que ele realizou no país caribenho.
O homem conseguiu que o tratamento fosse custeado pelo SUS por meio de uma liminar. Após cobrança, obteve ganho de causa no juízo de primeira instância para ser liberado da devolução. A União, no entanto, recorreu da decisão junto ao TRF1 por meio de um agravo regimental. Na última semana, a 5ª Turma da Corte acompanhou, por unanimidade, a posição do relator, o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, pela rejeição do agravo ajuizado pela União, em decisão divulgada ontem (03/10).
O desembargador destacou, no seu voto, a gravidade da doença, que tem caráter hereditário e degenerativo, podendo levar à cegueira. Lembrou também que Cuba é conhecida por possuir o melhor núcleo de profissionais especializados no tratamento desse problema de saúde e acentuou que o paciente “não tem a obrigação de devolver ao Ministério da Saúde o valor que havia sido liberado para seu tratamento, que lhe foi garantido por uma liminar”.
O magistrado ressaltou ainda que o direito à saúde é um direito fundamental garantido pela Constituição, e que o autor “agiu de boa-fé, usando os recursos para seu tratamento”. “Nessas circunstâncias, tendo presente o caráter satisfativo da liminar concedida na ação mandamental e o fato de que o autor recebeu de boa-fé os recursos públicos destinados à saúde, utilizou-os integralmente no tratamento de sua saúde e deles prestou contas à Administração, descabe exigir-lhe o ressarcimento das quantias recebidas legitimamente do órgão federal”, afirmou.
Doença genética
A retinose pigmentar é uma doença genética que afeta a retina e o nervo óptico, causando importante baixa visual. O problema altera células da retina responsáveis por transformar a luz em impulsos nervosos que são levados ao cérebro para a formação das imagens. Com isso, a visão é gradativamente lesada. Inicialmente, o portador da doença perde a visão noturna e tem prejuízos com a visão periférica.
Apesar da gravidade da doença e do conhecido destaque do tratamento criado e implantado por oftalmologistas em Cuba, existem críticas internacionais sobre a eficácia desse tratamento. Isto porque o tratamento cubano consiste em várias etapas que envolvem cirurgia, sessões de ozonioterapia, eletroterapia ou eletroestimulação aplicada nas regiões cervical e plantar dos pacientes, além de sessões de magnetismo diretamente na região ocular. Mas tem pouco respaldo na literatura médica mundial e em trabalhos científicos.
Tem sido questionada, em processos judiciais diversos referentes ao tema, a condição financeira de muitos dos pacientes que conseguiram ser liberados para o tratamento naquele país, com recursos do SUS — muitas vezes com alegações de que poderiam bancar, eles próprios, os custos da viagem e dos gastos com os procedimentos lá realizados..
Os desembargadores do TRF1, no entanto, lembraram que já existem jurisprudências que caminham para este entendimento de que não é cabível a cobrança a essas pessoas, tanto por parte do Supremo Tribunal Federal, como também por parte do Superior Tribunal de Justiça.