“Vamos precisar de um barco maior”. Esta frase entrou para a memória cinematográfica e completou 50 anos na semana passada. Uma fala que sintetiza de forma brilhante o impacto artístico, cultural e mercadológico do filme Tubarão, de Steven Spielberg, o primeiro blockbuster da história do cinema, lançado no verão americano de 1975.
O trio protagonista do filme – o chefe de polícia Brody (Roy Scheider), o pescador/caçador Quint (Robert Shaw) , e o oceanógrafo Hooper (Richard Dreyfuss) – segue de barco para alto mar, à caça do tubarão que aterroriza a praia da pequena comunidade litorânea de Amity Island em pleno feriado de 4 de julho. Brody joga ao mar a carne crua como isca e, de repente, vê pela primeira vez o monstro branco. O susto dele é também o de cada um de nós. E tudo isso sintetizado na famosa frase. Sim, eles precisariam de um barco maior, bem maior. Como escreveu o grande crítico americano Roger Ebert, a fala de Brody “é um exemplo da estratégia de Spielberg durante todo o filme, em que o tubarão é mais discutido do que visto, e visto com mais frequência por suas ações do que ao vivo”. O mesmo Ebert lembra que quando Spielberg foi convidado pelos produtores Richard Zanuck e David Brown para dirigir o filme baseado no bestseller de Peter Benchley, o jovem cineasta estabeleceu uma única condição: “na primeira hora do filme o tubarão não seria visto”.
Com isso, Spielberg colocava em prática a grande estratégia que mestre do suspense Alfred Hitchcock se valeu em toda a sua carreira. “Há uma bomba sobre a mesa e ela explode: isso é surpresa”, dizia Hitchcock. “A bomba está sob a mesa, mas não explode: isso é suspense”. Conclui Ebert: “Na maior parte do filme, Spielberg deixa o tubarão sob a mesa. E muitas das manifestações do tubarão na parte final do filme são de segunda mão: não o vemos, mas sim as consequências de suas ações. O resultado é um dos mais impressionantes thrillers já produzidos”. E esse foi o grande impacto artístico da obra, fruto também da narrativa que Spielberg já adotara em seu primeiro grande filme, Encurralado, de 1971, em que um motorista é implacavelmente perseguido por um enorme caminhão e nunca vemos quem dirige, quem o persegue.
Hoje Tubarão é amplamente reconhecido como um divisor de águas tanto na indústria cinematográfica quanto na cultura popular. Inicialmente, o filme é considerado um thriller híbrido, com elementos de terror, ação e comentário político, que se consolida como um super sucesso comercial, o que na época gerou a denominação de “filme arrasa-quarteirão”.
Com o lançamento, o filme se mostrou também de grande influência social, atingindo em cheio o comportamento das pessoas. Tubarão causou uma redução nas visitas às praias nos EUA, além de incentivos à caça aos tubarões, o que contribuiu para a ameaça de extinção de várias espécies. O próprio autor Peter Benchley, admitiu que o filme também alterou a percepção pública sobre esses animais, dificultando os esforços de conservação.

No aspecto da indústria, Tubarão foi um marco ao estabelecer novas estratégias de distribuição, como o lançamento simultâneo em muitos cinemas e uma campanha pesada de marketing, quebrando a tradição de estreias controladas. Sua enorme bilheteria mostrou que o verão poderia ser a temporada ideal para filmes de grande orçamento, marcando uma mudança nas estratégias de Hollywood. Além disso, o sucesso do filme contribuiu para uma predominância de blockbusters de autor com altos investimentos, modificando a dinâmica de poder entre estúdios e cineastas.
Há 25 anos, quando o filme foi lançado em DVD, Roger Ebert escreveu que “para Spielberg, o filme serviu de plataforma de lançamento da mais extraordinária carreira de diretor da moderna história do cinema. Antes de Tubarão, ele era conhecido como jovem e talentoso diretor de filmes como Encurralado e A Louca Escapada (1974). Depois de Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e Os caçadores da arca perdida (1981), Spielberg se transformou em rei”.